Recapitulando o último texto do blog, descrevemos, passo a passo, o método que utilizamos para testar relações de corpo e entrelinha a fim de alcançar uma relação harmônica entre esses dois parâmetros.
Após estes testes iniciais, começaremos o processo de criação do grid tipográfico — um sistema gráfico constituído para ser ocupado por texto, imagens ou para permanecer vazio. Este grid deriva da relação da altura da página com o valor da entrelinha encontrado no teste anterior para criar um sistema que servirá como guia para todo o projeto gráfico no momento de organizar as informações, como texto, imagens, modulação etc. Portanto, o grid tipográfico será o responsável por estabelecer relações visuais coincidentes e, também, por gerar uma hierarquia de leitura no material diagramado.

Imagens do livro Como Criar Tipos. (Clique para ampliar)
Para explicar a função do grid tipográfico, selecionamos estas imagens retiradas do livro Como Criar Tipos de Cristóbal Henestrosa, Laura Meseguer e José Scaglione, publicado em pela Estereográfica. Quando lemos um livro, olhamos apenas para duas páginas abertas e iniciamos o processo de leitura naturalmente. Não percebemos todos os detalhes apenas ao ler as páginas em frente aos nossos olhos, mas, quando analisamos diversas páginas duplas postas lado a lado, começamos a perceber padrões repetidos, como alinhamento, espaço em branco e relações proporcionais que cada elemento ocupa dentro da página. E é isto que o grid tipográfico agrega ao material diagramado.

Ao utilizar o grid tipográfico para inserir os elementos a serem diagramados, este material estará relacionado entre si de maneira consciente e consistente. Observando-se o spread acima, podemos perceber que os elementos foram dispostos dentro do grid tipográfico, mantendo, assim, relações proporcionais com o tamanho da página. Nesse sentido, a utilização do grid tipográfico garante uma certa facilidade ao projeto gráfico, pois as inúmeras possibilidades de diagramação são descartadas devido ao planejamento prévio do grid tipográfico. Assim, cada elemento do projeto possui um local predefinido dentro do grid tipográfico.
Portanto, um bom tempo é gasto para conseguir definir o grid tipográfico e as suas regras de funcionamento, mas, uma vez feito isso, as decisões de entrelinha da legenda, local de inserção de imagens, numeração da página, título corrente etc. serão tomadas sem maiores dificuldades, tornando-se — quase — um trabalho mecânico de inserir as informações na página. Todas essas informações mencionadas anteriormente estarão ligadas por uma relação produzida pelo grid tipográfico, apresentando alinhamento e harmonia ao longo das páginas.

Como mencionado anteriormente, usar o grid tipográfico auxilia na hora de definir qual corpo e entrelinha deve-se usar em elementos secundários, como legendas, notas etc. Neste projeto, o corpo do texto principal é de 9.7 e a entrelinha é de 12.586 pontos. Para manter a proporção, utiliza-se o corpo da legenda no tamanho 7 e a entrelinha de 8.9 pontos. Ou seja, a entrelinha da legenda é 30% menor que o valor da entrelinha da texto principal. Assim, o texto da entrelinha encaixa-se no grid a cada três linhas, como podemos observar melhor na imagem acima. O mesmo configura-se para títulos. O título deve ser estabelecido a partir de valores múltiplos ou relacionados por alguma ordem matemática.
Além disso, o grid tipográfico também auxilia na disposição de elementos secundários. O título corrente alinha-se com a falsa coluna de texto (cujas legendas são inseridas) e, também, alinha-se à mancha de texto. No caso das imagens, é importante frisar que o conteúdo da imagem é quem dita quanto espaço ela deverá ocupar na página; porém, o grid tipográfico ajudará a manter o tamanho da imagem dentro das proporções da página.

Detalhe do título corrente e legenda alinhando-se à imagem
A utilização desse tipo de recurso também é útil se o projeto possuir mais de uma pessoa no processo, pois o grid tipográfico fará com que as partes diagramadas por diferentes membros da equipe tenham consistência ao longo de todo o projeto. Nesse sentido, teremos uma repetição de informação e uma comunicação mais clara, pois os elementos estarão encaixados dentro da lógica do grid tipográfico. Uma vez que o leitor entende do que aquela informação se trata, não haverá necessidade de raciocinar novamente — o que não acontece quando há informações sem nenhuma relação no decorrer das páginas.
Para iniciar a configuração do grid tipográfico, utiliza-se o valor da entrelinha encontrado no teste anterior de corpo e entrelinha. Mas este valor sofrerá uma pequena alteração, pois buscaremos um valor de entrelinha que seja múltiplo da altura da página, estabelecendo, assim, uma relação matemática entre página e entrelinha. Essa associação define o valor da baseline grid (grade da linha de base), que, afinal, é como iniciamos o grid tipográfico na página.
Na tela, a baseline grid (um tipo de grade não imprimível) assemelha-se a um papel de caderno pautado. Quando não há uma relação matemática estabelecida entre o valor da entrelinha e da altura da página, esse caderno pautado não terá um número inteiro de linhas. Se a altura de página é 210 mm, e o valor encontrado no teste de entrelinha foi 13,5 pt (igual a 4.762 mm), não há como ter um número de linhas exato.

À esquerda, entrelinha não é múltipla da altura da página; portanto, há um número quebrado de linhas. À direita, número de linhas bate com o final da página.
Assim, esta postagem visa ensinar como encontrar uma relação matemática entre altura da página e entrelinha. Mas encontrar um número exato de linhas na página não será apenas para saciar o desejo dos que possuem transtorno obsessivo compulsivo como nós. A linha de base possui um papel importante na construção do projeto gráfico: além de definir uma relação matemática da entrelinha do texto com a altura da página, ele servirá como base para estabelecer outras relações matemáticas entre os elementos diagramados: legenda, notas, títulos, tamanho das imagens.
Uma outra função da linha de base é garantir que o texto do recto esteja sempre alinhado com o texto do verso. Quando frente e verso estão bem alinhados pela linha de base, por mais transparente que seja o papel, a sombra do verso tem pouca influência sobre a face de leitura do papel (o recto). Se a linha de base não for coincidente, o resultado é uma leve sombra causada pelo texto no verso da página, que pode interferir na leitura. Se ambas as linhas de base estão alinhadas (recto e verso), essa sombra é muito menos perceptível; como se uma anulasse a outra.
Enfim, a linha de base será o primeiro passo para configurar o grid tipográfico. Como cada projeto é um caso diferente e como não sabemos qual a finalidade e o conteúdo da publicação que você, leitor, pretende fazer, trabalharemos, aqui, com o tamanho de página A5. Pois, ao se delimitar um tamanho de página, será possível perceber as relações de corpo, entrelinha e página e aplicar esse método em outras publicações.
Primeiro, crie um novo documento no InDesign, insira o tamanho de página desejado (148 mm x 210 mm), com orientação na vertical. Recomendamos que as medidas estejam em milímetros e as páginas espelhadas (na versão inglês, “facing pages”). No caso, simularemos uma pequena publicação, um livreto, e será possível a impressão deste projeto para avaliação.

As versões mais recentes do InDesign apresentam algumas medidas básicas de páginas, como A3, A4, A5 etc.
Após a criação do documento, calcula-se a baseline da página, utilizando os valores de corpo e entrelinha definidos no último teste:
1. Digamos que a PT Serif foi a fonte escolhida para o projeto. O corpo será de 10 pt e a entrelinha, 135% (a notação para isso é 10/13.5pt, como mostrado na última postagem).
2. Converta o valor da entrelinha para milímetros. Para realizar a conversão de pontos para milímetros, é só digitar o valor em pontos (neste caso, 13.5 pt) em algum campo do InDdesign que use milímetros (por isso é importante configurar o documento para milímetros antes de iniciar o projeto*) como unidade (por exemplo: no campo para especificar recuo/indentação na paleta Paragraph, ou utilizando a ferramenta de retângulo: selecione a ferramenta, e dê dois cliques em qualquer lugar da tela. Uma janelinha abrirá para que você possa especificar o tamanho em milímetros). Desse modo, insira o valor em pontos, e o sistema fará a conversão para você. Não esqueça de colocar a nomenclatura pt logo após o valor. Caso não coloque, o sistema entenderá que você está trabalhando em milímetros.

No caso, 13.5 pt = 4.762 mm
3. Depois que você converter o valor da entrelinha para milímetros, é preciso dividir a altura da página pelo valor da entrelinha, para descobrir o número de linhas. Exemplo:
210mm ÷ 4.762 mm = 44,0991
4. Como o valor encontrado no cálculo acima para o número de linhas da página é um número quebrado, é preciso arredondar pra cima ou pra baixo; nesse caso, 44 ou 45 linhas. Vamos considerar 44 linhas, pois está mais próximo.
5. Assim, ao realizar a operação 210 ÷ 44, vamos encontrar a baseline de 4,7727 mm. Convertendo isso para pontos, temos uma entrelinha de 13.529 pt. Ou seja, algo bem próximo daquele valor que encontramos nos testes iniciais de corpo e entrelinha (10/13.5pt).
6. Insira esse valor de entrelinha (em pt ou mm) nas configurações de baseline grid: escolha ‘Editar’ > ‘Preferências’ > ‘Grades’ (Windows) ou ‘InDesign’ > ‘Preferências’ > ‘Grades’ (Mac OS). Lembrar de configurar a baseline para começar no topo da página (Start: 0mm). Para ‘Em relação a’, especifique se deseja que a grade inicie na parte superior da página ou na margem superior. Escolha iniciar na parte superior da página, pois há elementos que estarão fora da margem da mancha de texto (numeração da página, títulos correntes, imagens, legendas etc). Ou seja, com a baseline do início ao fim da página, esses elementos serão inseridos dentro do projeto pensando-se na relação matemática do grid tipográfico, criando, assim, uma consistência do projeto gráfico.

Se, após a configuração da baseline, as linhas azuis não estiverem aparecendo no documento, escolha ‘View’/’Exibir’ > ‘Grids and guides’/’Grades e guias’ e selecione ‘Show baseline grid’/’Mostrar baseline’. Por fim, você terá uma página como a imagem abaixo.

Esse passo inicial na criação do documento ajudará na escolha da mancha gráfica. Normalmente. utilizamos o Diagrama de Villard como princípio norteador das margens (que será explicado na próxima postagem), mas, principalmente, utilizamos a baseline como delimitador do projeto em si. Com uma baseline definida, o projeto será criado com constância, pois a criação de módulos, da mancha de textos, a inserção de imagens etc. serão consistentes ao longo de todo o projeto e funcionarão dentro de uma proporção que se relaciona com o tamanho da página. Ou seja, o projeto como um todo estará trabalhando com relações geométricas de proporcionalidade que agregam valores de alinhamento e harmonia ao projeto ao longo das páginas.
*Caso tenha esquecido de configurar o seu documento para milímetros e ele esteja em picas, por exemplo, acesse o campo ‘Editar’ > ‘Preferências’ > ‘Unidades e Incrementos’ (Windows) ou ‘InDesign’ > ‘Preferências’ > ‘Unidades e Incrementos’ (Mac OS). Para alterar o sistema de medida usado nas réguas, caixas de diálogo e painéis, escolha o sistema desejado em ‘Horizontal’ e ‘Vertical’. Ou seja, altere o sistema de medida para milímetros ou centímetros, dependendo de sua preferência.